Esquecendo Deus

jesustarget.jpgNão sou contra a religião assim como não sou contra a literatura, o sexo e as drogas. Todos eles podem ser fonte legítima de prazer para quem os usa. E não dá para negar que muita gente encontra conforto junto à religião. Alguns experimentam até mesmo o êxtase. Há ainda quem dela se valha para formar e cimentar um círculo de relacionamentos sociais, mais ou menos como um clube. Para nenhuma dessas funções, entretanto, é necessário que ela seja verdadeira. Aliás, afirmar que determinada religião é falsa é uma asserção com a qual a esmagadora maioria da humanidade tende a concordar, desde que o juízo não se refira a seu próprio credo.

Para que a prática religiosa se mantenha legítima, isto é, mais benigna do que maligna, é necessário antes de mais nada que ela não sirva de pretexto para imposições e violência. Se alguém, mesmo contra todas as evidências, quer acreditar que vinho se converte em sangue, e a hóstia, em carne, tem o direito de fazê-lo. O que não dá para aceitar é que, em nome dessa e de outras idéias às vezes exóticas, derive um código moral e busque empurrá-lo goela abaixo de toda a sociedade, incluindo os que não partilham das mesmas crenças, as quais, vale insistir, têm uma base empírica extremamente frágil, para dizer o mínimo.

E, infelizmente, a história está repleta de guerras e massacres cometidos em nome da religião. Mesmo hoje, em pleno século 21, muitas vezes é a fé que define aqueles a quem podemos matar. Terroristas jihadistas têm o “dever” de matar infiéis. Sunitas e xiitas no Iraque estão, em nome da verdadeira sucessão do profeta, autorizados a dizimar-se uns aos outros. Nós, no Ocidente, lançamo-nos na missão sagrada de semear a democracia no mundo islâmico. Fazemo-lo, é claro, atirando bombas. Aos que inadvertidamente morrem no processo chamamos eufemisticamente de “danos colaterais”. Em geral, são muçulmanos árabes, africanos ou asiáticos.

Não estou, evidentemente, atribuindo à religião toda a violência de que o homem é capaz. Ao contrário, estou convicto de que, não fosse a fé, encontraríamos outros pretextos para nos massacrar, como a coloração da pele, o idioma de origem ou alguma outra bobagem do tipo a mão que usa para escrever. É inegável, entretanto, que a religião serviu e está servindo de motor à barbárie. Nesse contexto, e dada a virtual impossibilidade de simplesmente acabarmos com os credos, a medida óbvia que se impõe é conter o fervor religioso das pessoas. Se todos forem um pouco mais relapsos na implementação de mandamentos que cobram a destruição dos infiéis, teremos um mundo mais pacífico.

Também não nego que a religião esteja na origem de coisas, senão boas, pelo menos interessantes, na música, na arquitetura, na pintura e, acrescento por minha conta e risco, na sutil arte metafísica. Só que vale aqui o mesmo argumento da violência. Não é porque essas realizações se deram sob o signo da religião que não teriam ocorrido sem ela, que, de resto, esteve com o homem desde que ele desceu das árvores. Daí não decorre que ela seja a responsável direta por todas as obras humanas, sejam elas boas ou más.

Isso nos leva a uma pergunta interessante. Por que diabos a religião existe? A resposta é mais ou menos óbvia para o crente: para honrar a Deus e pedir-Lhe que interceda por nós. Curiosamente, é entre agnósticos, ateus e outros que buscam uma abordagem científica do fenômeno religioso que a questão se torna controversa. “Grosso modo”, há os que lhe reconhecem algum valor, como o de reforçar os laços sociais entre as pessoas numa comunidade, e os que a consideram um mero efeito colateral– e adverso – da circuitaria cerebral humana. O biólogo Richard Dawkins, por exemplo, aposta que o pendor humano pelo sobrenatural é o resultado inopinado do módulo cerebral que nos torna crianças obedientes, acreditando, sem nenhum espírito crítico, nas histórias que nossos pais nos contam. Especialmente no passado darwiniano, obedecer cegamente aos mais experientes ajudava a manter-nos longe de perigos. Outros autores, como o filósofo Daniel Dennett, elaboram um pouco mais a questão, sugerindo a concorrência de outros módulos neuronais, como a tendência a ver agentes onde só existem sombras (o seguro morreu de velho) e a inventar explicações, ainda que infundadas, para tudo – característica que, embora nos faça pagar alguns micos, pode contribuir para a sobrevivência do grupo.

Sei que nós, seres imperfeitos, não devemos questionar as decisões do Altíssimo, mas convenhamos que não faz muito sentido para um Deus onipotente e benevolente revelar-se na forma de colecionador de prepúcios para os judeus e, para os maias, como um espectador ávido por sacrifícios humanos. A hipótese de que deuses são criações humanas explica muito melhor a universalidade do fenômeno religioso do que a teoria das “sementes de verdade” propugnada pelo catolicismo.

Alguns de meus interlocutores partiram dessa universalidade da religião para concluir que ela é necessária e benéfica. Até admito que, no passado, ela possa ter ajudado. Já não é o caso. A religião acabou tomando rumos que a tornaram uma força mais maligna do que benigna, atuando muito mais para separar as pessoas – e de forma violenta – do que para uni-las. Um dos responsáveis por essa transformação foi o advento do monoteísmo, tão celebrado por judeus, cristãos e muçulmanos.

É claro que os povos já guerreavam muito antes de Abrão deixar a cidade de Ur, na Caldéia. Só que os combates não costumavam vestir as roupagens da religião. Aliás, nem havia necessidade. Uma das vantagens do politeísmo é que ele favorece o livre intercâmbio de deuses. Um babilônio e um grego tinham inúmeras diferenças, mas, se havia algo que podia uni-los, era justamente identificar as semelhanças entre Ishtar e Afrodite, que se tornavam apenas diferentes nomes da mesma deusa. Com o monoteísmo, veio o exclusivismo. Deus não apenas pedia para ser louvado como passou a exigir a destruição de seus, digamos, concorrentes. Estava aberta a avenida para a intolerância religiosa, que até hoje segue contabilizando vítimas. Nesta semana mesmo, o Vaticano soltou um novo documento que volta a proclamar sua superioridade sobre as igrejas ortodoxas e as “seitas” protestantes. “Quod erat demonstrandum“.

A forma como encaramos Deus é, felizmente, mutável. Ishtar, Afrodite, Mitra, Wotan e vários outros panteões foram esquecidos. O próprio Iahweh do Antigo Testamento se tornou, de algum modo, menos raivoso: a grande maioria dos judeus e dos cristãos já não apedrejam aqueles que levam Seu santo nome em vão. É um progresso. E, já que todos os sinais são de que a religião não desaparecerá tão cedo, resta esperar que ela continue se modificando para assumir formas menos destrutivas. Não creio que isso ocorrerá no horizonte de nossas vidas, mas quem sabe no dos netos dos netos de nossos netos.


Fonte: Folha Online

18 comentários em “Esquecendo Deus

  1. Ficou incoerente pelo título (se chama “Esquecendo Deus”, mas não vi nada no texto que estabecesse esse propósito no artigo; em outras palavras, o título não tem nada a ver com o artigo) e também pela frase insossa “Sei que nós, seres imperfeitos, não devemos questionar as decisões do Altíssimo, …”. Se ele fazia questão de mostrar ser apenas mais um do mundo de religiosos que ele descreveu, e considerando a intenção de seu artigo, por que não fez a autopergunta de por que ELE MESMO tem necessidade de uma religião (que inclui um “altíssimo” que supostamente não deve ser questionado)? Iria ajudar muito.

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    1. @Robson Fernando,
      Acho que o autor quis mostrar que a religião (portanto, o conceito de deus) evolui, junto com o coletivo da humanidade, assim, “esquecer deus” é um processo que pode levar ao seu desaparecimento, portanto, considero pertinente o título.

      Quanto à frase, acho melhor por no contexto:
      “Sei que nós, seres imperfeitos, não devemos questionar as decisões do Altíssimo,”
      Continua com:
      “mas convenhamos que não faz muito sentido para um Deus onipotente e benevolente revelar-se na forma de colecionador de prepúcios para os judeus e, para os maias, como um espectador ávido por sacrifícios humanos.”
      Abordagem irônica, o autor não se inclui como um religioso.

      @toppic
      “Uma das vantagens do politeísmo é que ele favorece o livre intercâmbio de deuses.” Se não foi possível adotar o politeísmo, tente pelo menos o catolicismo, dá no mesmo :twisted:

      Mesmo acreditando que a religião (e deus) tenham algum ponto positivo para a humanidade, sua característica divisora e segregadora supera essas vantagens, ainda acho que esquecer deus deveria ser uma prioridade, mas é como erradicar a gripe, de tão adaptadas aos hospedeiros, essas religiões.

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      1. @FabioK, entendo teu ponto de vista, mas ainda imagino que seria melhor ele ter posto “as decisões do(s) Altíssimo(s)”, com o “(s)”. Sem isso, deu a impressão de que:
        – o autor acredita no deus cristão (chamado frequentemente de “Altíssimo” na bíblia e nos cultos);
        – os maias eram monoteístas.

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        1. @Robson Fernando,
          Sem problema, não vamos incorporar os nazistas da gramática :D

          Vamos dar um crédito, afinal foi matéria da Folha; um jornal abrindo espaço para uma discussão útil como essa já merece um voto.

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  2. O que eu mais vejo são crentes falando que Iahweh = Allah = Jesus.
    Ou seja, para grande parte dos monoteístas, os outros deuses de religiões monoteístas são o Criador. Ou seja, o deus dos muçulmanos é verdadeiro, ele é o deus bíblico, mas o Alcorão não é sua palavra, os muçulmanos é que colocam palavras em sua (deus) boca.

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  3. 53 E, no cerco e no aperto com que os teus inimigos te apertarão, comerás o fruto do teu ventre, a carne de teus filhos e de tuas filhas, que o Senhor teu Deus te houver dado.
    54 Quanto ao homem mais mimoso e delicado no meio de ti, o seu olho será mesquinho para com o seu irmão, para com a mulher de seu regaço, e para com os filhos que ainda lhe ficarem de resto;
    55 de sorte que não dará a nenhum deles da carne de seus filhos que ele comer, porquanto nada lhe terá ficado de resto no cerco e no aperto com que o teu inimigo te apertará em todas as tuas portas.
    56 Igualmente, quanto à mulher mais mimosa e delicada no meio de ti, que de mimo e delicadeza nunca tentou pôr a planta de seu pé sobre a terra, será mesquinho o seu olho para com o homem de seu regaço, para com seu filho, e para com sua filha;
    57 também ela será mesquinha para com as suas páreas, que saírem dentre os seus pés, e para com os seus filhos que tiver; porque os comerá às escondidas pela falta de tudo, no cerco e no aperto com que o teu inimigo te apertará nas tuas portas.
    58 Se não tiveres cuidado de guardar todas as palavras desta lei, que estão escritas neste livro, para temeres este nome glorioso e temível, o Senhor teu Deus;

    Não louvo a um Deus que acha antropofagia legal XD

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  4. A origem da religião tem como condição necessária a fé. Então, para discuirmos religião, temos que discutir fé.

    Na S.A foi publicado um estudo onde os pesquisadores determinaram que crianças entre 3-5 anos desenvolvem, sozinhas, a idéia de que existe “algo mais” nas pessoas, nos seres vivos….Isto, antes de entender o que é a morte…

    Assim, isto e uma evidência contrária a quem especula que acreditamos por medo da morte, por obedecer aos mais velhos, etc…….

    Da fé para religião, temos a questão de formação de grupos, cultura e uma série de fatores qeu podem ser explicados pela antropologia/sociologia……

    A pátria, neste sentido(fazer mal)…. é responsável pelas maiores atrocidades cometidas na história da humanidade…..então, na realidade, o nosso problema (a causa básica ) foi tb, nossa maior virtude, no passado…..a nossa capacidade(ou incapacidade, se pensarmos pelo lado negativo) de viver em grupo…seja ele qual for : torcidas se matam, tribos se matam, patriotas se matam,etc………

    Abs
    Felipe

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    1. @LuizFelipe, Discordo sobre sua análise da relação da fé com a religião, pois fé é o ato de acreditar, ter convicção em algo ou alguém, não precisando de provas pois tem confiança sobre sua veracidade, não sendo obrigado ter uma religião necessáriamente. Já religião é conjunto de crenças sobre as causas, reações, mundo, vida, na maioria das vezes com grandes contos sobre como tudo começo, como vai acabar e etc.

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      1. @gutokiske, Ola Guto!!!
        Mas o que eu disse foi exatamente isso……….Repare que falei que a fé é uma condição necessária para termos a manifestação do fenômeno religioso…Em nenhum momento falei que quem tem fé é, necessariamente, religioso…Eu, por exemplo, tenho fé, mas não tenho religião….mas todo relgioso tem, obrigatoriamente, fé em “algum algo mais” ::))

        Abs
        Felipe

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    2. @LuizFelipe,
      Na S.A foi publicado um estudo onde os pesquisadores determinaram que crianças entre 3-5 anos desenvolvem, sozinhas, a idéia de que existe “algo mais” nas pessoas, nos seres vivos….Isto, antes de entender o que é a morte…
      Dados da pesquisa, para que os outros leitores possam fazer uma consulta básica?
      De preferência em uma publicação indexada.

      Assim, isto e uma evidência contrária a quem especula que acreditamos por medo da morte, por obedecer aos mais velhos, etc…….
      Assim, não há como aceitar, de início, sua afirmação, afinal não foram disponibilizados os dados da pesquisa.

      Da fé para religião, temos a questão de formação de grupos, cultura e uma série de fatores qeu podem ser explicados pela antropologia/sociologia……
      Blá-blá-blá.

      A pátria, neste sentido(fazer mal)…. é responsável pelas maiores atrocidades cometidas na história da humanidade…..
      Hum… e como isso justifica a Inquisição, a perseguição aos judeus, a Noite de São Bartolomeu e outras coisinhas à toa?

      então, na realidade, o nosso problema (a causa básica ) foi tb, nossa maior virtude, no passado…..a nossa capacidade(ou incapacidade, se pensarmos pelo lado negativo) de viver em grupo…seja ele qual for : torcidas se matam, tribos se matam, patriotas se matam,etc………
      Besteira. Tendo mais de um quilo de miolo para carregar, o ser humano pode fazer melhor que uns átomos de plutônio enriquecido.

      De qualquer maneira, não refuta a dispensabilidade de deuses, apenas fica de rodeios, sem chegar a lugar algum.

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      1. @Joseph K,

        Ola Joseph,
        “Dados da pesquisa, para que os outros leitores possam fazer uma consulta básica?
        De preferência em uma publicação indexada”

        Já respondido.

        “Blá-blá-blá.” – excelente arguemento.

        “Hum… e como isso justifica a Inquisição, a perseguição aos judeus, a Noite e São Bartolomeu e outras coisinhas à toa?”

        Espantalho…..em nenhum momento falei que justificava…Somente que nosso problema está nos grupos, sejam eles quais forem……A religião é mais um deles, assim como a pátria, a ideologia política (o ateu Stalin, por exemplo),etc…

        “Besteira. Tendo mais de um quilo de miolo para carregar, o ser humano pode fazer melhor que uns átomos de plutônio enriquecido.”

        Esclareça melhor seu argumento…está sem sentido…Além do mais, o que interessa para nossa disucssão é o que estamos fazendo..o que os diversos grupos estão fazendo.

        “De qualquer maneira, não refuta a dispensabilidade de deuses, apenas fica de rodeios, sem chegar a lugar algum.”

        Espantalho…em nenhum momento falei que refutava isto..apenas que a causa-básica da religião não era o medo.

        Abs
        Felipe

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      1. @André, isso tipo as cruzadas promovidas por intectuais americanos q se da o nome de cruzada contra o terror simplismente masacram por fins financeiros roubam, torturam, estupram em nome dos velhos valores americanos com o apoio da grande deusa ciencia q projetam armas pra masacrar milhares de vidas a ciencia e muito boa n nego graças a ela temos a cura pra varias doenças bem estar etc etc mas tamb por ganancia de pessoas q so pensam em si tem tamb o lado ruim eles destroem mais vidas do q tem a capacidade de salvar muitas fato

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        1. @edu122,

          “obaoboaoboa estupro asasinatos, violencia, racismo estao liberados no mundo nao seremos punidos apos a morte”

          – o deus cristão e a bíblia não são parâmetros tão dignos assim, quanto você pensa, em relação à moral. A humanidade já vivia muito bem (obrigado) com regras sociais relativamente bem definidas antes da imposição de uma divindade para nos vigiar e julgar.

          “…a ciencia e muito boa n nego graças a ela temos a cura pra varias doenças bem estar etc etc mas tamb por ganancia de pessoas q so pensam em si tem tamb o lado ruim…”

          – Então o problema não é a ciência e sim do uso que se faz dela.

          Outra coisa. Dói os olhos ler um texto sem pontuação, sem parágrafos e com tantos erros gramaticais.

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  5. uma coisa tenho uma duvida terrivel: e certo q e preciso vida para gerar outra vida, sem conceito de religiao e outras crendices.que tipo de vida gerou a vida no universo? e certo que tamb existe vidas inteligentes fora da materia isso ja foi comprovado por varias pesquisas, se o conceito de deus existe quem gerou ele? se os camaraas puderem me tirar esta duvidinha rsrs agradeço

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